I – INTRODUÇÃO
A indústria do petróleo, em razão de suas peculiaridades que a
diferencia dos demais ramos industriais, reveste-se de uma internacionalidade
marcante, bastante presente em todos os seus setores. E essa internacionalidade
da indústria, é claro, influencia maciçamente as complexas relações jurídicas
que advém da mesma, desde as atividades do upstream até as do downstream
[01].
Essa forte influência estrangeira é característica acentuada da
indústria petrolífera desde os seus primórdios, quando se deu a expansão de
certas empresas ao redor do mundo, como a Standard Oil Company, a British
Petroleum (BP) e a Royal-Shell, para citar alguns exemplos, fazendo
com que esta commodity de valiosa importância estratégica atingisse
outros mercados e estabelecesse relações jurídicas complexas, relações estas
até então estranhas ao direito interno de cada nação.
Hodiernamente, neste ambiente marcado por processos integracionistas de
grande porte, pela proliferação dos conglomerados empresariais, crescimento dos
intercâmbios técnicos e o acelerado desenvolvimento dos meios de comunicação,
essa internacionalidade marcante dos contratos da indústria do petróleo se faz
cada vez mais intensa em virtude do fenômeno da globalização da economia que
faz diminuir por demais as barreiras existentes, promovendo uma rápida
integração econômica e facilitando aqueles contratos.
É difícil imaginar no mundo de hoje uma transação da indústria de
petróleo e gás que não envolva algum tipo de componente internacional. Há,
quase sempre, ao menos algum elemento que estabeleça a conexão entre dois ou
mais sistemas jurídicos, seja a nacionalidade ou domicílio dos contratantes,
seja o local de execução do contrato, seja até a lei escolhida para reger
aquela relação.
A segurança financeira e jurídica que tais contratos merecem devido aos
seus vultosos investimentos pressupõe que se crie um clima de estabilidade onde
esses contratos possam se celebrar e se desenvolver normalmente. E essa
estabilidade necessária é difícil de ser atingida não apenas pelos riscos
comuns inerentes a qualquer transação comercial, mas também pelos riscos
característicos do comércio internacional.
Nesse
diapasão, os contratos internacionais de venda de petróleo cru e gás natural
não são formulados em um ambiente diferente: as partes falam muitas vezes
línguas diferentes e freqüentemente redigem contratos e se obrigam em uma
terceira língua; elas sujeitam-se a contratos onde o direito
aplicável é variável; existe a possibilidade de aplicação de, no mínimo, dois
ordenamentos jurídicos distintos, no que a previsão da solução de litígios
advindos se transfigura como um dos pontos mais importantes dentro dos
contratos internacionais; as exportações e importações de recursos naturais
como petróleo e gás se sujeitam a políticas governamentais totalmente instáveis
em face da posição estratégica que tais bens possuem na condução dos interesses
nacionais dos países soberanos; mudanças na cotação da moeda pelo qual o
contrato foi indexado e sua relação com as moedas dos países dos contratantes;
a enorme volatilidade do preço desse tipo de mercadoria no mercado internacional entre a data do contrato e a da entrega;
crises políticas; guerras; adoção de acordos bilaterais favorecedores; e etc.
Em
sendo assim, é neste contexto que se desenham os acordos de venda de petróleo
cru, os chamados Crude Oil
Sale Agreemets. Esses acordos, que tanto podem ocorrer entre
exportadores e importadores de países diferentes, entre produtores de petróleo
e refinarias e entre participantes de uma mesma joint venture, são acordos extremamente
corriqueiros no dia-a-dia da indústria do petróleo, o que por si só já
justifica a feitura de um estudo aprofundado e elucidativo, porém não
esgotante, das principais especificidades dessas transações comerciais que se
transformam em relações jurídicas internacionais complexas (muitas vezes
nacionais também).
II - CONTRATOS INTERNACIONAIS
Definição
e Particularidades
A conceituação do que seria contrato internacional se configura numa
tarefa bastante árdua e complicada de se efetuar, tendo em vista o seu alcance,
porém é imprescindível a fim de que se possam compreender os acordos
internacionais de venda de petróleo cru com todas as suas características e
problemáticas. Das soluções encontradas, a que mais parece plausível é a que
aborda o problema pelo critério jurídico, pela estraneidade de um elemento ao
ordenamento jurídico nacional.
Para
Irineu Strenger:
“são contratos internacionais do comércio todas as
manifestações bi ou plurilaterais da vontade livre das partes, objetivando
relações patrimoniais ou de serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois
ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio,
nacionalidade, sede principal dos negócios, lugar do contrato, lugar da
execução, ou qualquer circunstância que exprima um liame indicativo de Direito
aplicável. (2003, p. 84)”
A contratação, dessa forma, encarada como acordo bilateral entre partes,
pode produzir-se tanto em âmbito interno quanto internacional. Quando os
elementos constitutivos do contrato se originam e se realizam dentro do limite
de um Estado, estamos nos referindo a obrigações internas. Contudo, quando as
partes tenham nacionalidades diversas, domicílio em países distintos, quando a
mercadoria ou o serviço objeto da obrigação seja entregue, ou seja, prestado em
outro país, ou quando os lugares de celebração e execução das obrigações
contratuais tampouco coincidam, estaremos no âmbito dos contratos
internacionais. Dessa forma, traz esses contratos a potencialidade de serem
enquadrados em mais de um sistema jurídico. É exatamente o que ocorre com os
contratos em debate.
Princípios
de Direito Contratual Internacional
Os princípios de Direito Contratual Internacional são normas
fundamentais que devem reger as transações internacionais e que têm supremacia
sobre as leis de Direito Internacional aplicáveis, que somente serão chamadas
em caráter de subsidiariedade.
O principal princípio de Direito Contratual Internacional é, sem dúvida,
o princípio da autonomia da vontade. Esse princípio regula e estrutura o
conteúdo dos contratos, permite a liberdade de contratação, abrangendo com quem
e sobre o que contratar, em face inclusive da falta de sistematização ou
harmonização completa das regras de conflitos em matéria de contratos
internacionais, o que faz nascer uma faceta que o diferencia quando da sua
aplicação no direito interno. Permite ele a escolha da lei aplicável, sob qual
ordenamento irá se debruçar uma provável e futura lide. Enquanto que no direito
interno ele se limita a estabelecer certos efeitos para o contrato que estão
celebrando.
Entretanto, como limite imposto à vontade das partes, encontra-se a
supremacia da ordem pública, princípio também basilar, devendo este prevalecer
em todos os casos uma vez que a liberdade de manipular uma relação jurídica
deve sempre esbarrar em limites que não permitam a anarquia em sede contratual.
A obrigatoriedade da convenção entre as partes (princípio pacta sunt
servanda) emerge como que quase uma imposição nos contratos internacionais,
pois tem como fundamento a necessidade de segurança nos negócios jurídicos,
sejam eles internos ou internacionais. Seu conteúdo é intangível e faz lei
entre as partes, porém tal princípio pode ser relativizado, nunca em face de
decisão unilateral das partes, mas em ocorrendo caso fortuito ou situação de
forca maior que impeça a sua execução.
Uma cláusula bastante freqüente nos contratos internacionais sobre essa
questão é a cláusula hardship que se assemelha à teoria da imprevisão
francesa por tentar solucionar adversidades criadas. De acordo com Jairo Silva
Melo:
Essa cláusula foi concebida para possibilitar um ajuste convencional na
ocorrência de uma circunstância futura e imprevista no momento da conclusão do
contrato, que viesse a causar uma alteração econômica, de modo que a execução
do contrato se tornasse impossível, seja temporária ou definitivamente e
anormalmente onerosa para uma das partes. (1999, p. 83).
Outro princípio extremamente relevante e por demais em voga no momento
atual, em face da impessoalidade das relações jurídicas internas e
internacionais modernas é o princípio da Boa-fé. Presume-se que as partes
procederam com lealdade e confiança recíprocas na intenção de contratar (boa-fé
subjetiva), bem como se exige que as mesmas atuem segundo determinados padrões
(boa-fé objetiva). A Convenção de Viena para a Venda Internacional de
Mercadorias de 1980 adotou tal princípio em seu art. 7º que diz: "ter-se-á
em conta o seu caráter internacional, bem como a necessidade de promover a
uniformidade da sua aplicação e de assegurar o respeito da boa-fé no comércio
internacional".
Neste aspecto é que se deve levar em conta as características internacionais
que revestem aquela relação jurídica, e não as particularidades da legislação
nacional de cada parte quando se for analisar um contrato internacional. É em
decorrência da inexistência de regras de harmonização entre os sistemas
jurídicos neste tema não simplório que se travam fervorosos debates acerca da
lei aplicável, lugar da execução, como esta se efetivará, etc.
Leciona
Nádia de Araújo que:
“sem uma uniformização jurídica não se pode fazer a
integração econômica ou política, pois é preciso garantir aos atores desse
processo uma base normativa com regras comuns, especialmente as regras
conflituais de Direito Internacional Privado. (2000, p. 4).”
Neste ponto é que se verifica a grande contribuição que a integração
através dos blocos regionais pode trazer para o ramo do Direito descrito.
Contudo, alerte-se que mesmo a consolidação de princípios ou a criação de
regras uniformes não suprimem os riscos de diversidade de interpretação de
direito harmonizado ou uniforme pelos diferentes tribunais nacionais.
Espécies
de Contratos Internacionais na Indústria do Petróleo
Como já anteriormente explanado, é bem sabido que a indústria do
petróleo se utiliza bastante de contratos internacionais para celebrar negócios
já que o elemento da estraneidade é quase que uma constante nos contratos
petrolíferos.
Sendo assim, inicialmente os ordenamentos jurídicos apontam para a
possibilidade de existência de dois tipos de contratos de exploração e produção
de petróleo que podem vir a ser internacionais, dependendo da existência de
algum elemento que assim o caracterize. Ou a exploração e produção de petróleo
são concedidas pelo poder estatal ou são elas partilhadas.
A concessão é um contrato de exploração e produção celebrado entre o
governo e a empresa que se encarregará da exploração de petróleo. Tal forma é a
adotada pelo ordenamento brasileiro. A Partilha ou Production Sharing
Agreement diz respeito aquele contrato assinado entre a empresa estatal e
uma empresa contratada que vai pesquisar uma área à sua conta e risco. Em caso
de descoberta a empresa estatal assume a receita do petróleo produzido e faz os
pagamentos devidos ao governo e à empresa contratada.
Afora esses contratos de exploração e produção, a indústria do petróleo
abre um imenso leque de espécies de contratos petrolíferos internacionais. Ao
contrário dos dois primeiros, os objetos destes são bastante diversificados em
razão da própria diversificação da indústria. Desta feita, podemos citar os
seguintes: Joint Bidding Agreement (organização de empresas a fim de
participarem de uma licitação sobre uma área específica para explorar e
produzir, formalizando regras entre si dessa participação); Joint Operating
Agreement (acordo formulado pelas empresas exploradoras e produtoras de
petróleo para que se desenvolva a sua operação, dividindo funções); Farmout
Agreements (contratos de cessão de direitos de exploração e produção dos
concessionários com terceiros); Swap Agreements (são contratos que
estabelecem a troca de riscos e/ou ativos); Lifting ou Offtake Agreements
e os Gas Balance Agreements (celebrados pelas empresas reunidas em joint
ventures que regem a retirada ordenada da produção de petróleo e gás
natural, respectivamente); e os International Crude Oil Sales Agreements
(acordos de venda de petróleo cru e de gás natural entre exportadores e
importadores, produtores e outros agentes da cadeia econômica ou entre
participantes de uma mesma joint venture).
III – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante tudo o demais exposto, infere-se a imbricação que existe entre a
indústria do petróleo e a esfera internacional de negociação, mais ainda quando
o nível de interdependência econômica mundial se vislumbra crescentemente. A
indústria do petróleo é, essencialmente, internacional e, assim, instrumentos
jurídicos de cunho internacional são os que se apresentam como comuns em seu
seio.
Desta forma, o enfrentamento jurídico por parte de doutrinadores e da
própria jurisprudência brasileira se torna mais do que imperioso, tendo em
vista a entrada cada vez maior de entes privados internacionais neste setor em
nosso país, devido à flexibilização do monopólio da União sobre referido bem.
Henrique Cabral Borba
Advogado
Advogado